O CORINTIANO
A década de 1960 é um período extremamente produtivo para Mazzaropi, não apenas como ator ou diretor, mas como empresário, à frente da PAM Filmes. Ele adquire a Fazenda Santa em Taubaté, onde monta seu próprio estúdio cinematográfico, e acompanha rigorosamente cada etapa da produção e distribuição de seus filmes. O esforço é recompensador, o que se comprova com o sucesso de bilheteria de cada novo título, lançado anualmente, e com a enorme popularidade do próprio Mazzaropi junto ao público.
O filme O Corintiano não poderia ser diferente. Produzido durante o ano de 1966, sua estreia em janeiro de 1967 foi uma grande festa que contou com a presença da torcida organizada da época em plena Avenida São João. E embora o personagem interpretado por Mazzaropi seja um fanático torcedor do Corinthians, o filme pretende ser uma homenagem a todos os clubes de futebol e seus torcedores, como afirma o letreiro inicial, sem exaltar uns ou desmerecer outros, proporcionando momentos de diversão e entretenimento a todos os apreciadores do esporte.
De fato, o fanatismo pelo time, longe de trazer vantagens, é a origem dos muitos infortúnios enfrentados pelo corintiano. Na trama, Mazzaropi é Seu Manuel, barbeiro de profissão e morador da Vila Maria Zélia, um bairro popular de São Paulo. O amor cego pelo Corinthians faz com que ele comprometa a economia familiar ao atender gratuitamente os clientes associados do clube, e ao espantar os torcedores do time rival, o Palmeiras, que chegam em seu estabelecimento. Também faz com que se torne alheio aos filhos, jovens adultos, e seus respectivos sonhos, um tanto elitistas para os padrões de Manuel – Jair, o mais velho, estuda Medicina e a filha, Marisa, treina todos os dias para ser bailarina profissional. Não ajuda o fato de que o filho de seu vizinho e arquirrival palmeirense, o italiano Leontino, seja uma promessa do futebol amador. A situação se agrava quando Manuel ganha uma rifa cujo prêmio é um burro preto e branco. O animal causa diversos transtornos na vizinhança e é ameaçado de morte, fazendo com que seja colocado pelo barbeiro dentro de casa, a participar das refeições junto com a família.
Chega o dia da partida entre Corinthians e Palmeiras no Estádio do Pacaembu. Em meio a lances do jogo, detalhes da arquitetura e imagens da torcida, assistimos a crise familiar de Manuel, que na arquibancada é separado dos seus por Elisa, a lendária torcedora símbolo do Timão em uma divertida participação especial. Ela tenta convencer o amigo a divorciar-se da esposa e casar-se com ela, despertando a indignação da família. O Corinthians é derrotado e os filhos rompem com Manuel, deixando a casa paterna para seguir seus objetivos. Com a fase ruim do time e abandonado pelos filhos, o barbeiro parece cada dia mais fora de si.
Em nova disputa dos rivais paulistas, Luigino, o talentoso filho de Leontino que se tornou profissional, é escalado para jogar pelo Palmeiras, com ampla cobertura nos jornais. Durante a partida, Manuel envolve-se em uma briga de torcida e vai parar no hospital, onde é atendido por Jair. O Corinthians vence o jogo e o barbeiro festeja com os vizinhos. Está feliz com o reencontro com o filho. Jair então prepara uma surpresa para a noite de estreia de Marisa como bailarina principal. O problema é que um jogo do Corinthians será transmitido no mesmo horário e Manuel não resiste à tentação de levar seu rádio de pilha ao teatro. A confusão se instaura, mas por fim, o barbeiro compreende a escolha da filha pelo balé e todos se reconciliam em uma grande festa na Vila.
O corintiano, cujo roteiro e direção são de Milton Amaral, não recorre à fórmula de sucesso do caipira, mas acerta ao trabalhar elementos populares, tais como a paixão pelo futebol e as delicadezas das relações familiares. A caracterização do personagem como um tipo simples e turrão da cidade grande cria uma simpatia que nem a ambientação urbana e especificamente paulistana conseguem inibir. Esta é, aliás, uma qualidade da qual Mazzaropi parece bastante ciente, pois embora munido de um estúdio para as cenas internas, a produção explora amplamente as gravações externas, tanto no Estádio do Pacaembu quanto na Vila Maria Zélia, rendendo belas imagens, ainda que despretensiosas, do bairro histórico da Zona Leste de São Paulo, tradicional reduto corintiano, e contribuindo para um imaginário nacional sobre o acirrado futebol paulista.
Referências
BARBOSA, Carla; COUTINHO, Angélica (orgs.). Mazzaropi: o Jeca fez 100 anos!. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2013.
BARSALINI, Glauco. Mazzaropi: o Jeca do Brasil. Campinas: Editora Átomo, 2002.
DUARTE, Paulo. Mazzaropi: uma antologia de risos. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009.
OLIVEIRA, Luiz Carlos Schroder de. Mazzaropi: a saudade de um povo. Londrina: CEDM, 1986.