O PURITANO DA RUA AUGUSTA

O longa-metragem O Puritano da Rua Augusta de 1965 traz a história de Pundoroso, um chefe de família extremamente metódico e conservador que, ao retornar de sua fazenda para São Paulo, tem um choque de modernidade com os hábitos de seus filhos e esposa. Não concorda com os costumes da juventude, como usar roupas coloridas, mascar chiclete, dançar e ouvir música alta.  

Filiado à Liga dos Ciprianistas que prega a moral social, Pundoroso acredita que os valores conquistados no campo, como a união e o amor, estão perdidos na sociedade. Após sofrer um ataque do coração, volta empenhado em vingar-se com um plano de “modernização pessoal” e passa a se comportar como um jovem: muda o visual, as roupas, o gosto musical e a ter atitudes que destoam de sua personalidade simples do campo. Como já visto no filme Zé do Periquito (1961), pela segunda vez na filmografia de Mazzaropi, o conservadorismo caboclo é confrontado com o rock n’ roll e a liberdade sexual do tempo presente. 

Dirigido e roteirizado por Mazzaropi nos seus estúdios da PAM Filmes em Taubaté, o filme conta no elenco com Marly Marley no papel de sua esposa, substituindo pela primeira vez a atriz Geny Prado, cuja parceria vinha desde o Chofer de Praça (1958), primeiro filme produzido inteiramente pela PAM Filmes. A atriz Elizabeth Hartmann também abrilhanta o elenco no papel de irmã preocupada e cúmplice das peripécias de Pundoroso. O destaque fica por conta da vedete Darla que interpreta a empregada doméstica da casa da família e que, apesar dos estereótipos e das falas atravessadas, não abaixa a cabeça para os absurdos do patrão que não nos fazem cair no anacronismo. 

Durante a formação artística de Mazzaropi, desde os primórdios da juventude da vida nômade nos circos mambembes e passando pela experiência na TV Tupi com o programa Rancho Alegre, a música sempre foi um dispositivo muito presente em sua filmografia. Em O Puritano da Rua Augusta as apresentações musicais ficam por conta de Elza Soares interpretando a canção O Neguinho e a Senhorinha e o conjunto The Jordans, influente banda paulista de rock instrumental dos anos 1960 que se apresentou em diversas ocasiões com Celly e Tony Campello e traz em sua essência a Jovem Guarda. 

É possível reconhecer diversos pontos turísticos nas cenas externas da obra como, por exemplo, o Viaduto do Chá, a Avenida São João, a Praça da República e a icônica Rua Augusta, que integra o título da obra. Neste contexto, a Rua Augusta se caracteriza como um importante espaço de socialização para a cultura juvenil dos anos 1960 e 1970, sobretudo pós impactos da Segunda Guerra Mundial e a consolidação de uma sociedade do consumo. Localizada no bairro nobre dos Jardins, agrega diversas lojas refinadas e de moda que dialogavam com o estilo Iê-Iê-Iê tupiniquim e sobretudo, com espaços de entretenimento, como os badalados cinemas Paulista e Astor, as lanchonetes Frevo e Frevinho, a boate Bilboquet e a resiliente Galeria Ouro Fino, tão presentes no imaginário paulistano. 

O filme promove uma crítica aos valores culturais da nova geração, muito envolvida com símbolos da indústria cultural norte-americana. Em uma cena, podemos ver isso claramente: quando sua filha mais nova chega em casa com uma blusa acima do umbigo e segurando vinis, é surpreendida pelo seu pai e os irmãos da liga e exclama uma frase em inglês. Pundoroso não se demora para repreendê-la, dizendo que isso que dá mandar filho para os Estados Unidos, volta tudo "americanado”. 

Sob a alcunha de fazer filmes “alienantes”, a imprensa reagiu com sentimentos mistos em relação ao lançamento. Criticado pela falta de cuidado com a produção e pela anárquica direção de atores, esses fatores não parecem ter causado nenhum efeito negativo na recepção do público, muito embora parte da crítica atual reconheça nas produções do cineasta caipira um exímio modelo de negócio com obras sempre endereçadas a um público específico, que entende e o idolatra. Amácio Mazzaropi levou milhares de pessoas aos cinemas, fez um cinema exclusivo para o Jeca e, com isso, eternizou nas telas do cinema brasileiro a vitória da inocência sobre o progresso. 

Referências bibliográficas: 

BARSALINI, Glauco. Mazzaropi: o Jeca do Brasil. Campinas: Editora Átomo, 2002. 

Biagioli, W. F., & Beyer, R. (2014). Reflexões sobre o sucesso do cinema de Amácio Mazzaropi. O Mosaico, 5(2). https://doi.org/10.33871/21750769.2013.5.2.284

SESC. Mazzaropi: a imagem de um caipira. São Paulo: Sesc, 1994. 

ZIMMERMANN, Maíra. Rua Augusta: juventude e sociabilidade no espaço urbano (1968 - 1973). In: XXVI Encontro Regional de História - Anpuh São Paulo: O futuro do passado: Memória, História e Historiografia - online, 2022.