O LAMPARINA

A década de 1960 é caracterizada por uma extensa filmografia ligada ao cangaço. Ainda que já explorada antes do precursor O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, é nesse período que a temática ganha vigor, expressa em narrativas que geralmente aludem ao mais temido de todo Nordeste, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Valendo-se novamente da paródia, como em O Gato de Madame (1956) e Jeca Tatu (1959), Amácio Mazzaropi faz sua homenagem ao gênero com o filme O Lamparina (1964), dirigido por Glauco Mirko Laurelli e escrito por Carlos Garcia. 

Primeiro filme rodado inteiramente na Fazenda Santa, em Taubaté, com equipamentos da extinta Vera Cruz, a comédia foi assistida por 250 mil pessoas só na primeira semana. E como não poderia ser diferente, Mazzaropi contribui com o gênero à sua maneira, apresentando um banditismo desajeitado que encontra no caipira deslocado o arremate para o riso.  

Junto de sua “esposa oficial”, Geny Prado, parceira em 18 filmes, Mazzaropi interpreta Bernardino Jabá, um simples camponês que perambula pela caatinga com sua família em busca de trabalho. Ao chegaram na pacata cidade de Sororóca, encontram os habitantes aterrorizados devido a uma recente investida de Zé Candeeiro e seus cangaceiros.  

Os núcleos se cruzam quando, durante um banho de rio, dois membros do bando atacam a filha (Ana Maria Guimarães) e esposa de Bernardino. Como em outros filmes de Mazzaropi, o ingênuo e pacífico caipira se transforma ao ver a família ameaçada. Com uma espingarda deixada à beira do rio em mãos, Bernardino espanta os vilões que partem deixando tudo, inclusive as roupas.  

Trajados de cangaceiros e portando as espingardas deixadas na fuga, Bernardino e sua família continuam pelas trilhas, até chegarem no acampamento de Zé Candeeiro e seu bando. Assumindo o disfarce, Bernardino apresenta a si e a sua família como terríveis cangaceiros, sendo aceitos pelo grupo diante à tamanha valentia, do então Lamparina. 

Bernardino, porém, faz um acordo com a polícia, que invade o acampamento para prender os foras da lei. Durante o conflito, ele se afasta a cavalo e acaba sendo preso em outra cidadezinha, ao ser confundido com um membro do grupo devido as suas vestimentas. Após um ano na cadeia, Bernardino volta a Sororóca, onde todos pensavam que havia morrido, e passa a ser confundido com uma assombração.  

Estão presentes em O Lamparina elementos comuns à filmografia de Mazzaropi: injustiças sociais e relações conflitivas, ambientes de opressão e de exploração, ameaça ao núcleo familiar, autoridade parental e referências a Portugal e a Espanha, por exemplo. Não vemos, no entanto, a dicotomia campo-cidade, temática cara às suas obras. E ele arrisca, ao apresentar um bandido cômico e humanizado, um caipira disfarçado, que prefere o uso do guarda-chuva à espingarda, para acuar as autoridades. Lamparina não é Lampião. E é na valentia preguiçosa desse jeca, que não mede esforços para salvar sua família, que o riso encontra espaço, elemento este fundamental a Mazzaropi, do qual faz uso indiscriminado para compor o espetáculo que foi e que permanece encantando gerações. 

 

Referências 

BARBOSA, Carla; COUTINHO, Angélica (orgs.). Mazzaropi: o Jeca fez 100 anos!. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2013.  

BARSALINI, Glauco. Mazzaropi: o Jeca do Brasil. Campinas: Editora Átomo, 2002. 

DUARTE, Paulo. Mazzaropi: uma antologia de risos. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009. 

FRESSATO, Soleni Biscouto. Caipira sim, trouxa não: representações da cultura popular no cinema de Mazzaropi. Salvador: EDUFBA, 2011. 

OLIVEIRA, Luiz Carlos Schroder de. Mazzaropi: a saudade de um povo. Londrina: CEDM, 1986.